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Que M. é essa?

(Por Mara Fontoura)

Na Grécia antiga a música e a educação musical eram bastante valorizadas. Platão em muitos de seus textos sobre a ética e a estética cita a música como elemento de formação do caráter, sustentando que determinados modos musicais influenciam positivamente, outros negativamente na formação do indivíduo, devendo assim ser preservada como tarefa do estado.

Por mais nobres que fossem as intenções, penso que submeter a música ao controle do Estado seria transformá-la em mero objeto funcional, ferindo a liberdade de expressão dos artistas. Inspirada pelas leituras Platônicas comecei a conjeturar sobre o que aconteceria por aqui se essa moda pegasse.

Como seria se o Estado brasileiro resolvesse legislar e controlar a música a ser praticada pelo povo? Como controlariam o que poderia ou não ser ouvido, tocado, cantado? Num território gigante em que até mesmo leis importantes para a nossa sobrevivência e bem-estar não são respeitadas e nem punidas, porque não há como fiscalizar, como poderiam controlar a nossa música?

Já tivemos no Brasil períodos de CENSURA, nos quais grande parte da arte que apreciávamos passava pelo crivo dos censores. Eles determinavam o que podíamos ou não consumir, porém não baseados em critérios estéticos, mas sim de conteúdos, sendo proibidos aqueles que pudessem influenciar o pensamento das massas na direção contrária aos governos.

Deixando a imaginação ir ainda além, imaginemos como poderia ser o texto da lei que regeria a implantação de uma música única para todo o Brasil:

“A partir desta data, a música brasileira passa a obedecer as determinações do Estado brasileiro, passando a ser chamada de MERDA – Música Estatal Reduzida a Determinações Absurdas. Somente a MERDA, seja em sua forma vocal ou instrumental, poderá ser composta, tocada, cantada e executada, ao vivo ou reproduzida em qualquer tipo de mídia, dentro do território nacional. Qualquer outra música que não seja a MERDA passa a ser proibida no Brasil, sendo considerado crime a sua prática dentro do território brasileiro”.

Como seria esta MERDA? Clássica, popular, folclórica, pop… como seria? Pelo perfil de nossos dirigentes, com raras exceções desde o descobrimento do Brasil, poderia ser bem variada, mas tratando-se da MERDA, em qualquer tempo de nossa história, certamente chegariam a um consenso que agradasse a todos. Isso lembra aquele ditado popular: “A MERDA é a mesma, o que muda são as moscas”.

Afinal, políticos, independente de serem de direita ou de esquerda, liberais ou conservadores, aliados ou adversários, diante de assuntos que atendam à seus interesses, esquecem suas diferenças e se unem em torno desta ou daquela MERDA, mesmo que o povo não esteja de acordo. Em época de eleição podem até fingir uma polarização, se agredirem mutuamente, mas depois de eleitos ficam todos unidos em torno de qualquer MERDA que lhes convenha…

Posso imaginar alguns diálogos entre pessoas depois da vigência da lei:

– Lara, estou muito preocupada com o meu filho. Ele entrou na Escola de música para aprender MERDA, mas encontrei no meio de suas partituras um prelúdio de Chopin.

– Céus, Chopin! Bem, poderia ser pior, já pensou se fosse uma partitura de Stockhausen?

– É, mas começa assim. Hoje um prelúdio de Chopin, amanhã uma peça de Vivaldi, daqui a pouco está tocando Bach, Beethoven… já pensou?

– Nossa, é bem delicado ter um subversivo dentro de casa. A Maria está com um problema parecido, a filha dela anda ouvindo ópera escondido.

– Onde eles conseguem estas partituras e gravações?

– Não sei, mas morro de medo. Você viu no jornal o caso do rapaz que foi pego com um pen drive cheio de MPB e aquele outro com um CD de funk, foram presos na hora. Eles não estão permitindo mais nada, nem mesmo Villa-Lobos que ainda era tolerado.

Há dias venho pensando na MERDA e sobre as consequências que teria em nossas vidas. Refleti bastante também sobre as diversas músicas que ouvimos no Brasil e no mundo, algumas tão lindas, outras tão ruins… Porém, independente da qualidade do que nos é apresentado, ainda somos livres para escolher a música que queremos ouvir. Fiquei de certa forma aliviada por ter a opção de escolher e também de desligar o aparelho ou fechar os ouvidos para qualquer MERDA que nos seja imposta!

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