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É triste numa roda de música sentar ao lado daquela pessoa desafinada e que ainda, sem perceber, canta mais alto que todos. Quando ocorrer este tipo de situação, antes de você ficar irritado com a pessoa, pense que ela não desafina porque quer, mas porque não percebe que desafina, ou se percebe, não consegue corrigir. Fora isso ela adora cantar e não se priva de fazê-lo em alto e bom som, quer dizer, no caso em alto e não tão bom som.

Recentemente passei por esta experiência de sentar ao lado de um desafinado exacerbado numa festa, sendo obrigada a ir embora muito antes do que pretendia. Porém, restou um saldo positivo. O incidente festivo me levou à reflexão sobre afinados ou desafinados e me inspirou a escrever este texto.
Minhas atividades profissionais me colocam em contato frequente com crianças cantando e é perceptível a condição de afinação ou desafinação de algumas delas desde muito cedo.

Porque alguns são afinados e outros não? Afinar envolve basicamente dois fatores, sendo o primeiro a capacidade de receber, processar e diferenciar os sons captados e, o segundo, a capacidade das cordas vocais de alcançarem diferentes notas.

Algumas pessoas já trazem em sua bagagem genética a capacidade de perceber e diferenciar sons, bem como cordas vocais mais dotadas de elasticidade, tendendo portanto a serem afinadas. Porém, nem tudo está perdido para quem não nasceu privilegiado no quesito afinação. Um bom treinamento pode desenvolver substancialmente a percepção sonora e com o auxílio da técnica vocal as cordas vocais podem adquirir um pouco mais de elasticidade.

Já vivenciei exemplos de alunos ou colegas de profissão desafinados, que com estudo e treino melhoraram sensivelmente. Um deles eu cheguei, inclusive, a considerar um caso perdido. Cantava em uma nota só! Na verdade não cantava, emitia um som meio rouco e constante naquela única nota. Depois de quase quatro meses de insistência, começou finalmente a entoar outras notas, foi evoluindo e burilando aquele som rouco e constante, transformando-o em música… soube que alguns anos depois tornou-se cantor profissional.

Outro caso interessante foi o de uma moça que me procurou para fazer teste de voz para gravar jingles na produtora em que eu trabalhava. Possuía um timbre bonito, mas a afinação e a técnica deixavam a desejar. Não a poupei da minha opinião franca, o que muitas vezes me custa a perda da simpatia das pessoas. Anos depois, em outra situação, sem reconhecer a moça, ouvi-a cantando e elogiei a sua performance. Só me dei conta de quem era, quando ela respondeu ao meu elogio com certo ar de triunfo, diria até com uma pitadinha de sarcasmo: – Melhorei um pouquinho, Mara?

Aliás, como produtora, passei por vários constrangimentos ao fazer testes de cantores, mas posso apontar com certeza o caso mais terrível. Um rapazinho de 15 ou 16 anos, que era sem qualquer dúvida, um cabrito na forma humana. Ao abrir a boca, aquele balido alto e estridente deixava em estado de choque todos ao redor. Meu assombro foi tanto, que desta vez tive até dificuldade para externar qualquer opinião. Nunca mais vi o “cabrito”, este, não sei se chegou a cantar.

Bem, para encerrar, voltemos para aquela festa onde você encontra a pessoa que canta alto e desafinado. Agora que você já sabe que ela faz isso porque não percebe e não encontrou alguém que lhe orientasse sobre a questão. Você tem duas alternativas: chama a pessoa num canto e dá a sua opinião sincera sobre a sua cantoria, correndo o risco de não ser bem aceita, ou então, vai pra casa mais cedo e fica refletindo. Quem sabe até surja a inspiração para um texto sobre afinação…

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